sábado, 28 de fevereiro de 2009

Dorme que a noite já vem...

Eram quatro da madrugada. Todos a adormecer. Ouvia-se apenas o Tic-Tac no silêncio sepulcral daquela noite. Marcos de fininho abriu a geladeira. Pegou um copo d'água. Reservou. Cuidado para não fazer barulho e provocar um grande espanto. Seu irmão era de sono leve. Seu pai às vezes ia à cozinha fumar um cigarro de madrugada. Quem sabe se o galo cantasse, ou algo ruisse, alguma coisa poderia interromper, não tinha como, ouvidos aguçados, respiração cuidadosa. Ai se espirrasse ou tossisse. Pegou o copo de água e partiu para a sala, onde abriu um grande cofre de moedas e colocou sua mão entre elas, e, em grandes pegadas, amontoava-as na boca, garganta abaixo, apressadamente. Engoliu todas, finalmente voltou a dormir. O ritual se repetia constantemente, em necessidade inconsciente. Não sabia, mas diariamente seu pai enchia novamente o cofre, em silêncio. Não lembra mais das crises de abstinência. Vício. O jeito era sustentar. Ainda que à omissão.



Marcos faleceu aos sete anos no dia que mudou o horário de verão.


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

São Paulo



- devaneio.
não perca seu tempo. não faz sentido. é incoerente. desconexo. e pode ser invasivo.


eu fiquei pensando aqui, por dias, na oportunidade anseada em abrir essa página, vir aqui, escrever coisas sem sentido, ou coisas querendo ter sentido, coisas querendo não ter sentido... ah, que puta blábláblá! não foi nada disso de contemplação, de abre aspas, dois pontos, citações, por obséquio. o negócio agora é pá. eu andei pensando por aí, vagando por lugares e contando um conto a mim mesma, daqueles assim numa subjetividade imensa que só pode sair de você a partir de alguma maneira que você ainda não descobriu. porque, vou te contar, escrever tá foda. eu fico pensando assim, a esmo, pensando em colocar no papel, mas, peraí, não dá. os tempos são outros, não se pode mais passar a velocidade das idéias à risca sobre uma folha de papel. o negócio é diferente, as coisas estão mais velozes, já é velha essa história de museu de grandes novidades. e, meu deus, antes eu cotumava vir aqui e escrever coisas pseudo-sociais, agora eu venho aqui e só quero é saber de mim, a subjetividade é mesmo uma merda, foca o mundo todo em você e no seu umbigo e na sua visão, eu sabia que o mundo ia acabar assim, cada qual com seu james brow, é sempre assim. e ainda querem dizer que a arte ahahahha tá, eu confesso, eu vim aqui só pra destruir mesmo, afinal, eu não construo coisa alguma. venho aqui, coloco umas fotos estranhas, uns quadros expressionistas, umas frases desconexas e acho que estou construindo algo. ah não. o negócio agora é a descontrução, entendeu? desconstrução. demolição. pilastras abaixo, galo na cabeça, colunas caindo, madeiras em chama. ora "mas que mulher indigesta! indigesta! merece um tijolo na testa!" mas, vamos lá. ponha-se no seu devido lugar, com seu arcabouço intelectual brasando na flor da sua curiosidade e mocidade. agora, abra aspas, coloque um sugestivo dois pontos - ready? - segundo Luiza Haddad, antropóloga e socióloga pela Universidade de São Paulo, pesquisadora na área de antropologia urbana... haahahah aí é capaz de ter gente que finge que me ouviria. o ser humano é mesmo um cara engraçado e desgraçado e sem-graça, adora se fantasiar de qualquer coisa e louvar as fantasias que usa ou que os outros usam, eterno carnaval, se fantasia do que for mas se fantasia é de lixo puro, já explodiu. mas seria a mesma coisa, a mesma mente, a mesma formação. ia mudar o número de livros que eu li, as experiências quer tive. eu poderia vir aqui e citar grandes filósofos do pensamento contemporâneo, poderia falar que segundo o diretor bibibi no filme bababa e fazer uma ponte com os conflitos no cáucaso. mas, e quê? como diz o velho saramago, e quê? e nada. nadinha. nadica de nada. eu estaria aqui a dizer coisas ao léo, como estou agora, só que mais pompadas, cobriria o bolo de merda com chocolate e você se deliciaria, lamberia o prato e os beiços, rasparia a fôrma com seu dedo indicador. agora, por que não me ouve? vamos lá, sinceridade é o que há (na verdade é o que não há), ninguém se ouve. parei com essa de achar que as pessoas ouvem outras, elas ouvem é seu próprios ecos em frequências ajustadas a seu ouvido. é isso aí. e falo também que se eu falsse isso, entre aspas, inventando qualquer citação prolixa, de uma maneira mais pomposa como "na atual situação, o ser humano limita seu campo auditivo apenas no que ecoa de seu próprio Eu" você ia achar que acabou de ler a nata da psicologia moderna. ah, grandesbosta. e eu fico por aí, gritando pelos cantos, me arrastando por aí, rastejando, comendo migalhas escondida, não ouvindo ninguém de verdade, falando coisas repetitivas. e eu inventei uma estética, chama-se (han,han) Estética da Repetição. será que alguém já inventou? mas pense nela com carinho, é tudo repetição, até seus pensamentos, presos a um ciclo sem fim. - oi, eu tenho minha própria estética (acende um cigarro e solta a fumaça rapidamente, olhando para ela): Estética da Repetição hahaha sou eu, é você, são todo mundo junto, ele, eu e você sou eu. lembra? e eu ando ouvindo apenas aquilo que traço no meu roteiro do que quero ouvir - hoje, observarei os meninos de rua. Olha lá, quantos, quantos! enquanto fechei os olhos pro resto. é assim, escolho o que olho, o que ouço, o que os outros falam. isso me incomodou desde sempre, costumava me inquietar e querer abraçar o mundo, entender tudo e todos. e quê? e quê? e nada. é assim, eu interrompi meus pensamentos pra tentar criar algo aqui que não leva a nada, mais um túnel que o carcereiro deixa inacabado na sua já incontável tentativa de fuga. acabou que eu decidi que o negócio agora é metralhar idéias e pontos de vista, vomitar concepções ou não-concepções, sem acabá-las ou desenvolvê-las necessariamente. pápápá: idéias contrução imagem palavra idéia visão um cão. é assim. vou lançar frases ou palavras, pronto? CICLO. MARKETING. ENCRUZILHADA. pensou, pensou? ou senão eu posso vir a criar coisas pela metade, por exemplo: toda busca bela igualdade é hipócrita, pois a aceitação da diferença vem depois de reconhecida a semelhança (pense nisso). outra: a foto inicial traça caminhos conformes. pronto. não acabei, nem desenvolvi nada. faça você mesmo ahahaha eu cotumo ler livros até o finalzinho e não ler o final, às vezes eu odeio o final, já criei o meu final, ou não criei final nenhum, não quero que o cara termine por mim. apenas a antropofagia nos une, lembra? aí eu uso o autor, sugo seu enredo e o final ponho eu. um anti-final, uma anti-arte, um anti-filme blábláblá que falatório desordenado! peraí né. eu já disse aqui que toda verdade é válida. isso aqui não é verdade porra nenhuma, é pura modificação, já disse, daqui a oito minutos odiarei isso daqui, quem fez essa porra? quem disse isso? esquizofrenia pura, queime essa merda, DELET. hoje eu andei pela Avenida Paulista. em minha primeira saída como paulistana oficial. uhul. agora sou moradora da maior metrópole brasileira uhul que legal, que mundos, que leque, que economia, que discrepância uhul São Paulo!!! aí eu sentei ali no vão do MASP, junto com mais uns trezentos negos, um executivo fumando seu charuto e um fantasma esfomeado ao meu lado esquerdo, com seu pano estranho um dia branco. aí sempre tem aqueles caras com uma pinta descolada, que tipo-faz-fotografia ou tipo-faz-cinema ou tipo faz-artes-plásticas ou tipo-faz-FFLCH com suas roupas descoladas, cabelos penteados estrategicamente para parecerem despenteados, suas sandálias arcaicas ou moderninhas demais, livros acidentalmente caindo pelas sacolas que eles insistem em chamarem de bolsa, com suas câmeras maneiras de preço salgado, registrando os arranha-céu, ou as ruas, ou essa gente e mais gente. aí me aparece um ser com um carrinho de feira abarrotado de coisa. era uma mulher. sim, existem mulheres além desse bonequio que você vê em massa pelas ruas. os bens dela eram reduzidos a: seu carrinho de feira. suas propriedades: no carrinho de feira. anotações: no carrinho de feira. alimentos: carrinho de feira. roupas: carrinho de feria. tudo era no carrinho. tudo era o carrinho, o carrinho era tudo. eu até pensei em reduzir meus bens a um carrinho de feira, seria no mínimo interessante e prático, teria sempre tudo o que tenho à mão, a gente vive tendo coisa e mais coisa e nem cabe no nosso alcance. e o executivo acende mais um charuto e vem aquela fumaceira toda, junto com a fumaceira do baseado da turminha ao lado. o quê? eu traguei São Paulo! cof cof. e a fumaça (voz de quem prende a fumaça) virou: A Avenida Paulista: plaft! eu poderia achar um ruído melhor para a aparição da Paulista. vamos lá, tentando novamente. A Avenida Paulista: PÃ. bem seco. é isso aí. agora o fantasma esfomeado e sujo se levanta, despe-se de seu luxuoso lençol de algodão egípcio e ruma à sua terra. e eu? brigada papai, agora posso morar em São Paulo hiihhiihihihih os cara tão achando que é pra qualquer um. na selva de pedra todos querem sobreviverr mané. que nada vai. chega. sem definições por enquanto. tem de tudo, de tudo tem. o foda é estar sozinha na casa de noite e ter que ouvir o barulho dos seus chinelos arrastando pelo chão, ou do seu próprio pé, empoeirado e sujo, seco e áspero, se arrastando pelos cantos da casa. isso é terrível. e ainda tem as unhas. unha é feio pra caralho. não adianta você me vir com sua bela mão pintada. poha, isso não é unha. se ouvir é terrível. não ouço nem a mim mesma, notei isso. agora ouvirei. gravando: minhas mãos, anexas a um corpo desrumado, roçando pelas paredes da casa, quase que fundindo-se a elas, no decorrer de todo o perímetro da casa. ai! que coisa enlouquecedora. o negócio é estar no meio. e meio não é mais metade. meio é meio, saca a diferença? e pode ser meio do começo, meio do fim, meio do começo do fim, o que importa é estar no meio, o que importa é a goma, porque depois que tu mascar vai é cuspir tudo. e tenho dito. depois de nadar tanto, não vem litoral nenhum. o legal é nadar.





(Palavra faz tudo. aqui Lu é verbo, advérbio e todos os sujeitos.)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009





corpo reflexo
vasto mar...

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Perdida

Nos guarda-chuva perdidos, nas tampas de caneta espalhadas, nos prendedores de cabelo desaparecidos.
Nos botões do velho controle-remoto, nas contas esquecidas, nas chaves sublimantes.
Nas esperanças desapropriadas, nas vontades momentâneas, nas paixões adolescentes.
Nos bilhetes e lembretes velhos, nas rolhas voadoras dos champagnes, nas fitas do Bonfim.
No gliter das colagens infantis.
No branco dos documentos envelhecidos.
Nas promessas gradativamente atenuadas.
Nas juras de amor precoce.
Na delicadeza desgastada.





Lá morava aquela Alice.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Calúnias!

calúnias, calúnias! tudo calúnia.
registro não é verdade. registro é modificação. a verdade é momentânea. o contrário não. de resto, calúnias válidas, muito válidas. e verdadeiras.

" - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. "


e que seja válida qualquer verdade, desque seja verdadeira.
de qualquer tipo, sob qualquer manifestação e sob qualquer registro.



Poética
de Manuel Bandeira

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

eu também!

e andava pelas esquinas provincianas soprando bolas de sabão
até que um dia uma delas entrou pela minha janela
e mentiu pra mim

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

These songs of freedom...

Tudo fazia-se novo a cada instante. Os cheiros. O ar. O gosto da experimentação. A vontade de cantarolar pelas esquinas. Acreditar em único abraço. Fazia-se o Desejo. E agora provava de olhos fechados. Sentia-se libertar. Das raízes umbilicais. Do leito maternal. Do conforto casual ou das escórias primitivas. Já não era mais necessiatado de todo aquele aval. Podia rugir, rosnar, ruir, zumbir, falar por aí. Gritar no universo. Transitar em terras nunca antes habitadas ou transcender em gesto, em som, em sombras. Agora podia tudo. Esbanjava saúde e boa aparência. Dinheiro e a boa e velha inocência. E então fazia-se Deslumbro. Os olhos escancarados. Boca aberta. Mãos eufóricas, cabelo despenteado. Não tinha começo, nem meio, nem fim. Era o Momento, vivia o Instante e até esquecia do passado, nem pensava no futuro. Apenas o Sol a nascer indicava um novo dia. Ou a Lua que surgia, a estrela caia, a maré que baixava novamente. O vento beijava-lhe a nuca, como que em vertigem de fotografia. E o Sol dourava-lhe a face, os ares exprimiam suas sensações. E os mares apontavam caminhos possíveis e imaginários, distantes e nunca solitários. Até o Vazio era digna Companhia, tudo era parceria. A Terra girava suavemente. E dava pra ver seu movimento pelas nuvens. E as nuvens eram grandes aldeias, antigas civilizações, bonecos dançantes, animais flutuantes, plantações verdejantes. O verde das árvores exalava um aroma nunca antes degustado e os raios de sol que ao amanhecer entravam pela cortina, anunciavam seu despertar, lento e gradual, confortável, especial. De manhã sentia aquele friozinho de neblina, mas logo aquecia-se com o chá matinal. A conversação era fluida, a linguagem natural. A comida era simples, o preparo uma confraternização. Um espetáculo de temperos, uma dança de aromas, explosão de sabores, mistura de amores. E a cada passo, uma nova descoberta, uma nova aprendizagem, um novo pássaro a ecoar seu canto pelos mares e ares. O Sol vinha como que dono da situação, ardendo em chamas no reino Celeste, coloria a água da lagoa, às vezes pingava em garoa. Quando cansava de tanto espetáculo, descansava nas águas, dormia nos mares. Então era a vez da Lua. Radiante, luzia em Solo ou entre as nuvens. Iluminava as pedras. E os Reis eram os Astros, que por vezes brincavam de se alinhar. Então, o Sol, a Terra e a Lua dançavam juntos, de mãos dadas, braços entrelaçados. E a sombra da Terra cobria a Lua, parcialmente, finalmente totalmente, num ápice negro, num piscar demorado. O reflexo nos mares não existia nesse instante. Mas logo a sombra terrestre parava de brincar de esconder a Lua, a luz da Lua. Tornava a iluminar barcos, bairros, praias e estradas. E assim seguia a Vida, numa brincadeira entre a luz e a sombra. Todos falavam a mesma língua - língua de Gente. E Ninguém tinha cheiro de flores - tinham cheiro de Gente. A Terra acolhia o passado e o futuro no presente, tinha espaço pra todo tipo de tempo e temporal, como num grande abraço digno de oferecer. Ourives da Vida, acolheu a Diferença, apontou a Semelhança. Constrói Identidade a partir dos fragmentos da Disparidade.
Salve mãe África, grande berço do Mundo.

E a vontade de voltar e tornar a descobrir toma-me em instinto. Faz-se necessidade nostálgica secularmente herdada, de migrar para o lugar de onde veio a Vida. É lembrança transportada nos genes, ânsia de voar para casa, como fazem as andorinhas...

tenho confundido



os carros passando
com meu celular vibrando

domingo, 1 de fevereiro de 2009

O FANTÁSTICO MUNDO DOS INSETOS

Ah! Já não bastava não ter nada na cozinha que me atraísse no momento. Há dias que a coisa é séria: As prateleiras repletas e nada digno de saciar a sua fome. Até dá aquela enganadinha, coisetal... mas satisfazer que é bom, nada. Novamente foi sucrilhos açucarados com leite. E sucrilhos é uma beleza, vai de café, de almoço, de janta, de tudo! Se for Snow Flakes, então, com toda aquela crocância... E também já bastava-me a solidão de um dia de verão chuvoso, a confusão de páginas freudianas, minha irmã me acordando cedo. E agora quando vou comer o meu sucrilhos de janta, em meio aos flocos crocantes, com toque açucarado especial, em meio à brancura do meu leite, tem um inseto preto nadarolando na imensidão branca! Era uma formiga. E não vá você, encubado, pensando que era uma dessas formiguinhas mirradinhas que aparecem na sua cozinha, próximas ao açucareiro. E já dizia a minha avó que açucareiro deve ficar sobre um pires com água para livrar-se desses pequenos insetos. Você ilha o cobiçado. Fico a imaginar como deve ser ser uma formiga. Acredito que elas devam achar nossos restos - ou não - através do cheiro. É isso aí. Ou você, com seu ar descontraído, acha que é tudo ao acaso na vida dessas pobres moscas sem asas só porque elas se depararam com seu prato sujo no meu do caminho e fizeram bom proveito dessa situação corriqueira? Ah, não. O buraco é mais embaixo. Deve haver, seilá, outra comunicação, uma dimensão formigal que aponta os caminhos às formigas, indicando por onde andar. Ou você, agora com sua objetividade, acha que isso não existe? Ou você também acha que é fácil ser um insetinho no meio dessa imensidão vertical? E, se você quer saber, eu também acredito que haja uma hierarquia, com formigas-chefe, formigas-organizadoras, formigas-desbravadoras, formigas-observadoras... As desbravadoras são as mais legais e corajosas, as cabeças do grupo, elas que lideram e puxam as filas. E em todos os planos! Elas comandam as formigas andando até na vertical. Pra elas não tem diferença, não. São líderes no chão, pelas paredes, de cabeça para baixo... Verdadeiros heróis do bando! São elas que lideram a massa negra ou vermelha. - Pelotão, volver! Nosso tesouro doce está ilhado por uma grande lagoa, sigamos ao próximo destino, cinco graus a leste, agora rumo à montanha abaixo do grande tunel! É tudo uma grande aventura para elas. Deve ser bem legal. E digo mais, digo que esses topos de hierarquia formigal devam receber privilégios, devem ter direito a luxo no formigueiro, se aposentam mais cedo. Vai pensando que Marx disse tudo. E vai pensando que sociologia de grupos complexos é só no meio urbano-humano. Não é bem por aí. Mas, enfim, a formiga do meu sucrilhos era grandona! Dava pra ver nitidamente as patas, as antenas. Dava até pra botar em prática os conhecimentos super úteis de Zoologia. Peguei a formiga com a colher. Ela tava nadando de uma forma tão bravil! Não merece a morte um serzinho desses. Sabe, muito ser humano não tem a coragem que essa mosquinha de asas cortadas tem pra ir atrás de comida. E eu ainda vi uma com um grão de sucrilhos na parede! Um grão de sucrilhos! Na parede! E tem humano que se gaba porque escalou o Everest. Viva as formigas! Um grão de sucrilhos deve ser do tamanho de um outdoor para elas (ok, isso foi exagero). Mais méritos para elas! Eu pensei em comer a formiga, diziam que fazia bem à vista. "Você já viu formiga de óculos?". Mas oraessa, também nunca vi cotia, nem sabiá, nem arara, só humano que pode ser doente da vista. Mas comer ela seria sacanagem. Ela só queria alimentar sua comunidade. E quem sabe se tivesse outra eu poderia engolir, seria a maior aventura em dupla, tipo Jonas, na Bíblia, ou o Pinóquio, ou o pai do Nemo e a Dori que ficaram presos na barriga de uma baleia. Elas ficariam dentro do meu corpo, passariam pelo meu Esôfago, aposto que não se desgrudariam. "Não vá para longe, se você se perder de mim, morrerei a só aqui, só temos um ao outro". Mas eu preferi salvá-la. Tirei a pequena do Mar Branco, coloquei-a na pia, e só uns instantezinhos pra suas patas secarem e ela já estava andando por aí. Cara, quanta história pra contar elas têm! E você aí, muitolouco, acha que contar pro filho sobre aquele seu porre em Porto vai ser super descolado. Vaivendo! Quando criança eu costumava salvar as formigas que caiam na borda da piscina. Elas tão lá, andando pelos azuleijos, cuidadosamente, tudo no maior blue, e vem um gorilão, se joga naquele amontoado infinito de água, molhando tudo, inundando famílias e lares. É uma tragédia! Que Santa Catarina que nada, é uma tragédia-Krakatoa teus pulos na piscina. Eu gosto de formigas. São criaturas pitorescas. Mas eu odeio baratas. E ainda tem barata que tem a audácia de querer nascer com asas. Com asas, cara! Aí já é demais. O cara não tá satisfeito em andar pelos submundos, em ser total underground e ainda quer ter asas? Ainda quer ter os ares? O céu e o chão? Ah não nãonãnãonão. Muita ousadia. Fora que é asqueroso, faz movimentos agonizantes, ruídos sujos. É, ruídos sujos, sim. Tenho nojo desses sons. Mas insetos no geral são bem interessantes. Veja você que um deles inspirou uma das grandes obras do Expressionismo alemão. Gradesbosta, eles são aventura pura, bem mais que nos livros. O dia que eu puder provar um pouca da adrenaline que uma formiga prova a todo instantezinho, acho que serei uma pessoa diferente.
É loucura total, meu caro. Fantástico Mundo!