sábado, 19 de setembro de 2009

Gozar das leis

A ironia e o humor

Não se trataria apenas de duas perversões distintas, mas de duas lógicas completamente diferentes na constituição do objeto do desejo e na relação à lei moral. Essas duas lógicas são descritas por Deleuze por meio de uma associação que se mostrará plena de consequências. Ela consiste em afirmar que, no interior do sadismo, encontramos uma lógica que o associa à ironia, isso enquanto o masoquismo seria a encarnação mais evidente do humor. A princípio, essas associações podem parecer gratuitas.
No entanto, elas consistem em dizer que uma perversão não é simplesmente a descrição de alguma forma de desvio em relação a um padrão de conduta sexual socialmente partilhado. Ela é uma maneira de distorcer uma lei moral da qual o próprio perverso reconhece a existência. Neste sentido, Deleuze poderá dizer que, dada uma lei que reconhecemos, há duas maneiras de não a seguir.
A primeira é através da ironia. Deleuze pode afirmar isso por lembrar do conceito romântico de ironia, onde este aparece como uma posição na qual o sujeito sempre está para além de seus enunciados. Enunciar uma lei de maneira irônica significa mostrar que seu enunciador não está lá onde seu dizer aponta. Esse recurso a um lugar transcendente seria uma maneira de evidenciar que sigo um princípio para além da lei que enuncio.
Todo o esforço de Deleuze no livro será mostrar como a posição de Sade [escritor francês, 1740-1814] em relação à lei moral pode ser compreendida a partir desse esquema.
A segunda seria através do humor. O humor visaria torcer a lei por meio do aprofundamento de suas consequências.
Não colocamos nenhum princípio de significação para além da lei moral. Mas os efeitos da lei são invertidos devido à possibilidade de torções nas designações: “a mais estrita aplicação da lei tem o efeito oposto a este que normalmente esperávamos (por exemplo, os golpes de chicote, longe de punir ou prevenir uma ereção, a provocam, a asseguram)”. Isto é Deleuze falando de Sacher-Masoch, este mesmo Sacher-Masoch em quem o filósofo vê uma insolência por obsequiosidade, uma revolta por submissão.

A paródia do desejo

Essa maneira de torcer a lei fará Deleuze insistir em que só podemos compreender o masoquismo por meio de conceitos como a paródia. Mas, para além da descrição de uma perversão, Deleuze age como quem acredita que por meio do humor, da paródia, da passividade simulada, abre-se uma possibilidade de desdobrar a relação com o desejo, com a lei talvez mais próxima de nossa situação contemporânea. Só não esperávamos nos descobrir todos contemporâneos de Sacher-Masoch.

V. S.

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