domingo, 20 de setembro de 2009

uma mulher que falou na língua das borboletas

ainda amanhecia e eu lembrava da menina que falava a língua das borboletas. ela batia seu anel na mesa, abriam-se universos diante daquele soar mais grave que o de suas unhas, amigas cósmicas, que quando atritadas soltavam um perfume noturno, que só se abria na noite, no escuro ou na ausência do feixe de luz, meu amigo de antigos amores, daqueles que saem por entre as nuvens e provocam encontros casuais do estilo "eu faria tudo para vê-lo de novo diante daquele alvorecer". e a gente andava sozinhas, na solitária companhia uma da outra, nos dando tão bem como convém ao deus e ao poeta. a gente lembrava daquele filme de início de partida, a gente sonhava, a gente cantava, na verdade eu pouco me lembrava, não sei com o que preencheram meus lápsos derradeiros de uma memória esquecida. eu o pintaria de amarelo, mas acho que meu antigo cigano de aguns poucos anos atrás jogou preto neles e assim o transformou em um quadro ridículo, digno de um porão, de um calabouço ou de um cala a boca enorme, do tamanho da enamorada butanesa que eu achei naquelas imagens esbranquiçadas de um dia atrás. e era assim: ela adormecia sem perceber, fechava os olhos de maneira triste, abaixava a cabeça e deixava seus cabelos oleosos o tomarem a cara. e escondia-se. até o dia que eu recostei meus dedos em seu queixo, levantei seu rosto e vi seus olhos. choravam silenciosos. depois acordavam afoitos, gosto muito de você leãozinho, rodopiavam e recortavam coisas por aí, sem parar pra pensar muito. depois se arrependia e chorava ao mesmo instante em que salivava. ela me faz uma falta enorme. com ela eu aprendi que quando se enfia no meio do mato, a flor morre e a gente se perde. depois daquela noite eu voltei e me atirei na cama, de bruços. recebi um bilhete estranho, que me envergonhou, ainda mais por saber do pecado em dose dupla. e é polícia ainda. e conseguia me atingir, falando a língua das borboletas, em antigos blocos de pedra. é, que nem moisés. quando eu acordei daquilo, eu caí no pesadelo? ou será que eu acordei do sonho? será que tornei a me torturar? sabe de uma coisa? os dedos que batem, a velha carne fria que não digita nada, hoje apodrece amarelada.
um amarelo manga pra nossa primeira noite de amor.

aliás, se eu pudesse voltar pras primeiras noites de amor, eu não mudaria nada. eu viveria elas novamente, quantas vezes fosse preciso, pra lembrar daquele gosto novo. cuja única definição não faria a menos diferença. e não importa o nome deles. pra mim A, pra você B, é tudo questão de metaforazinhas, não? não! pouco me importam as definições. "Se soubéssemos, não falaríamos nem tampouco pensaríamos", mas depois de mordida, essa gente vai até o talo e a gente se enrosca.



“A verdade e a mentira. (...) ansiosos de saber, felizes demais por ignorar, procuramos, no que é um remédio ao que não é; e no que não é, um alivio para o que é. Ora o real, ora a ilusão nos recolhe; e a alma em definitivo, não tem outros meios exceto o verdadeiro, que é sua arma – e a mentira sua armadura...”
Paul Valéry

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