sábado, 11 de julho de 2009

A FUNDO? UM MUNDO IMUNDO...

Eu ficava ali espremida no colchao velho e úmido. Quartinho dos fundos, escuro e abafado, banheiro entupido e torneira quebrada. O cheiro era uma mistura de cigarros, cerveja, maconha e resto de fogueira. Mas quando olhava para o lado, era ele quem dormia... Tão profundamente adormecia que aquela atmosfera densa e imunda mal parecia o incomodar. Continuava com a costumeira expressão doce, os olhos baixos e aqueles lindos cabelos negros, lisos e oleosos escorrendo-lhe à face. Encantava-me como sempre me encantou, com aquele olhar inconformado e, para os cantos, um ouvir aguçado. Conservava um jeito sagaz, puro e ousado que eu nunca tinha chegado nem perto de provar. Além disso, tinha um desenho de boca escultural e sempre que adormecia ao meu lado eu acariciava-lhe os lábios com meus dedos, suavemente, até adormecer também... Na primeira vez em que nos vimos, mal olhou para mim. Abaixou levemente a cabeça e se concentrou em juntar as cinzar dos cigarros com uma bituca velha. Parecia-me tão distante, com pensamentos esvoaçantes, embalando-o num caminho sem fim... Muito eu fiz para erguer aquele olhar. Descobri que gostava das flautas e que elas o faziam bem. Eu fugiria com ele para qualquer lugar! Sertão do Maranhão, interior do Afeganistão, seilá. Tinha vontade de passar tanto tempo ouvindo ele falar... Tinha uma loucura tão lúcida que me aguçava os ouvidos. E uma sede que me despertava para todos os sentidos. Além disso, pouco se comparava a envolver-lhe um dos lados de seu rosto com a palma da minha mão. Quando sorria, eu escorria. Quando sozinhos, tinha um embalo de Leão, um despertar cheio de tesão. E um olhar que dilatava qualquer paixão. A nossa atração pelas ruínas era assumida: do quartinho dos fundos à sua pequena pensão, acolhedor cubículo sem janelas ou lençóis, com um ar que parecia neblina. Mas a gente se ajeitava como ninguém... Fumávamos os fumos que le emesmo preparava e nos amávamos num contato sem igual - em poucos movimentos, me elevava aos céus. Costumávamos nos acariciar feito dois gatos, roçando face na face, nariz na boca, boca na nuca e por aí vai..
Às vezes ele some. E eu fico aqui, conservando uma proveitosa saudade, recordações esquecidadas e seu delicioso gosto encachaçado de dúvidas. E eu sei que quando ele volta a gente naturalmente se enrosca por entre mares e bares, paixões e ilusões. Acaba cadente em algum canto decadente e dormindo agarrado a algum mundo imundo..

Um comentário:

  1. o tempo, a vida, andam pelo chão
    o amor aeroplano
    o amor zomba dos anos
    o amor anda nos tangos
    no rastro dos ciganos
    no vão dos oceanos
    o amor é trilha de lençóis e culpa e medo e maravilha
    o amor é poço onde se despejam lixo e brilhantes. é mundo imundo, orações, sacrifícios, delírios, ternura e paixões.

    é paralelo.

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