sábado, 24 de janeiro de 2009

O que amedronta são os olhos.




É menino arrastado. É menina defenestrada. É pai que esquece filho no carro. É gente que esquarteja criança. É pai que estupra e esconde filha no porão. O plantão da Globo tocou sua musiquinha, atenção à telinha, é desgraça mais uma vez! Foi assalto ao banco. Foi crime organizado que fez de refém o filho da juíza.
É mais um espetáculo a encher atenção coletiva.

Mas o que amedronta já não é mais menino que fuma pedra. E nem menina que passa cinco horas no salão depois de banho de loja. O que dói é menino que fuma pedra enquando menino joga video-game. Mas o que amedronta não é isso. O que amedronta são os olhos. Assalto à mão armada já não assusta mais, é mais uma bala disparada em ditos inocentes, é mais negro na penitenciária, é mais moleque da favela sendo esculaxado por Polícia. É mais estatística, é mais um número computado. Mais um número pra fazer sensacionalismo em jornais e TV e escandalizar mocinhas e entristecer donas-de-casa. Mas o que amedronta mesmo são os olhos. Os olhos do menino que segura a arma. Os olhos do menino já não chamam por cuidado. Já não clamam por amor ou por atenção. Clamaram mudos, rogaram surdos, tremeram atrofiados. Já não derramam lágrimas, já não suam frio, secaram. Acinzentaram. Os olhos fizeram-se pedras rígidas, embrutecidas por sucessivo descompasso e afetos soterrados. A boca grita e ruge, ouvidos são atentos aos mínimos ruídos, mas os olhos já não sabem para quê olhar. Seguem apenas fixos, imóveis, num torpor amorfo. São expressivos, são misteriosos, apontam desconhecida direção de anseios reprimidos em pauladas e cacetetes. Mas são estáticos. Parecem vidrados. Parecem hipnotizados. Parecem até causais. Longe de ser convicto ou inabalável, o que amedronta é que o olhar segue cravado e inalterado.

O antecedente de cena de jornal foi clamor ignorado.
E a sucessão de olhar acinzentado?

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